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Conhecimento vs. Saber na análise

  • Foto do escritor: Nathan Barbosa
    Nathan Barbosa
  • 15 de nov. de 2014
  • 4 min de leitura

À todo iniciante na psicanálise, ocorre o questionamento da auto-análise. Primeiramente, surge a pergunta de como foi possível Freud teorizar um inconsciente a partir dos próprios sonhos. Em seguida, o conhecimento dá um passo para se indagar por quê a humanidade não se apropria do ensino psicanalítico para dirimir seu sofrimento, afinal, os avanços teóricos ao longo das décadas aparentemente deveriam facilitar a tarefa proposta por ele, de que se deve reorganizar as supressões instintuais produzidas e impostas a nós mesmos. Por fim, surge, talvez, o mais complexo pensamento: será possível, a partir do conhecimento que se adquire estudando os mecanismos de defesa, identificá-los em seus caminhos e, assim, evitar a corrida rumo ao consciente pelo que Freud nomeou de “derivados do reprimido”?


Inicialmente essas perguntas podem não suscitar uma linha de pensamento entrelaçada, que mesmo após o término da leitura será custoso confirmar, mas elas reservam a trivial diferença entre conhecimento e sabedoria, já falada por Lacan e aqui inovada no cotidiano dos estudantes de psicanálise. Encontra-se na complexa relação entre a satisfação do impulso instintual e mecanismo de defesa da repressão (1915) o início desse raciocínio. Mesmo sendo “altamente individual” o trabalho da repressão, visto que o reprimido é o que há de mais variável, sua indistinta existência não custará nada à teoria. É fundamento básico que “um destino possível para um impulso instintual é encontrar resistências que buscam torna-lo inoperante” (p.83), fazendo com que seu representante psíquico seja reprimido. Seu propósito elementar, portanto, é afastar da consciência esse representante primário, de forma que ele permaneça inalterável e ligado a todo instinto que lhe cause insatisfação. Para essa primeira etapa, Freud designou uma repressão primária, que não se basta somente ao representante psíquico primário, mas também afeta seus derivados, ou seja, cadeias de pensamento que estão associados a ele.


Essa breve introdução basta para explanar o intuito desse texto. Alguns estudantes já devem ter ouvido de seus mestres que conhecer a psicanálise pode ter um efeito adverso, pois ao invés de facilitar a simbolização do que está excluído do consciente, aumentaria seus mecanismos de defesa. Caso nunca tenha escutado isso, basta confirmar a necessidade do analista para fazer valer a premissa do texto de 1914 – recordar, repetir e elaborar –, no qual se faz necessária sua figura para desfilar nos significantes através da recordação, repetição e, enfim, elaboração. Sem ele, se torna impossível manter a repetição na esfera psíquica, e o paciente iria atuar incessantemente sem se dar conta de tal fato, como comprova a clínica.


"A repetição envolve algo de que, por mais que se tente, não se consegue lembrar. O pensamento não consegue encontrá-lo: O que é isso? Isso é o que está excluído da cadeia significante, mas em torno de que cadeia gira. O analisando dá voltas e mais voltas numa tentativa de articular o que parece estar em questão, mas não consegue localizá-lo, a menos que o analista aponte o caminho. " (FINK, s.d., p. 241)



Essa premissa está inerente ao exercício psicanalítico que se presta a fazer o paciente produzir derivados do reprimido, pois sua distância ou deformação endossam a passagem pela censura. O mesmo acontece com a quebra de um discurso intencional e montado, já que dessa quebra “o paciente pode continuar tecendo uma tal cadeia de associações, até que no seu curso depara com uma formação de pensamento na qual a relação com o reprimido age com tamanha intensidade, que ele tem de repetir sua tentativa de repressão”. Não obstante, o sintoma neurótico, assim como o ato falho, chiste, lapso e sonho, traz à luz do visível o que transborda desses derivados, que por meio dessas deformações foi possível o acesso à consciência (Freud, 1914, p. 88). Manter uma repressão custa caro à economia psíquica, e esta pode ser vista pelos raros momentos em que o reprimido se deixa aflorar nos sonhos. É oportuno reafirmar o pensamento freudiano para explicar o esquecimento do sonho ao despertar, pois “os investimentos de repressão que foram recolhidos são novamente enviados” (FREUD, 1914, p.90).


Uma rápida procura mostrará que pouco se produziu sobre a análise na formação do analista, tampouco a relação do inconsciente com seu próprio conhecimento. Isso não demonstra o pouco interesse dos analistas sobre o assunto, mas ratifica a dificuldade de identifica-lo e transpô-lo em um momento histórico difícil de examinar o discurso científico. Em seu seminário sobre O Ato Psicanalítico felizmente Lacan adiantou que “saber não é conhecimento”, e após a mercantilização do ensino a universidade se apropriou da psicanálise para reproduzir seus conceitos aos interessados. Com isso ele abriu uma brecha para assinalarmos que conhecer o inconsciente não é decifrá-lo, e está longe desse conhecimento formar um analista, justamente porque a figura do Outro em análise é insubstituível. Não há analista sem análise, como também não se faz o analista através do conhecimento, mas sim do saber.

O que descobrimos na experiência de qualquer psicanálise é justamente da ordem do saber, e não do conhecimento ou representação.


Assim Lacan resumiu todo o supracitado. Seu intuito foi isolar do conhecimento sobre o inconsciente qualquer liberdade de suas formações para o sujeito, pelo contrário, uma reflexão mostrará que comumente os estudantes de psicologia não sustentam o curso, e seus motivos esbarram o confronto entre o reprimido, seus derivados e a custosa tarefa de manter uma repressão quando há uma iminente derivação através do conhecimento psicanalítico. A análise do iniciante em psicanálise não é diferente, pois eclode o controverso arranjo no qual o ‘saber como funciona’ não favorece o analisando, mas o faz se perder no limiar entre o conhecimento psicanalítico e o saber analítico. Essa é uma premissa que certamente sofrerá alguma alteração futura, afinal, a certeza é que aqui escreve um estudante, não o analista, não o analisado.


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