top of page

Psicologia das Massas: Filme Dez Mandamentos


As milhões de tevês conectadas diariamente não foram o bastante para a produtora da minisérie Dez Mandamentos, a emissora Record, se contentar com o sucesso da franquia. Indo para as telas de cinema, a emissora, que tem seu público impulsionado pela Igreja Universal do Reino de Deus, vendeu mais de 2 milhões de ingressos em pré-venda. A curiosidade inerente a este fato ultrapassou a normalidade quando um homem, sozinho, comprou 22 mil ingressos. As filiais espalhadas por todo território brasileiro, por sua vez, aumentam ohype - termo em inglês usado para o sucesso anterior ao lançamento - do público com base na fé, com um argumento peculiar de que o triunfo do filme está correlacionado com o poder da comunidade religiosa.


Como a psicanálise vê a massa religiosa?


O amor de forma ampliada é conhecida na psicanálise como libido. Esta é a mesma "energia" que nos liga ao ideal, à relação nem sempre finalizada no ato sexual, que nos faz, verdadeiramente, amar "sem outras intenções". Ela é vista na bíblia, em Coríntios, com extrema importância. O amor sobrepõe a esperança; sobrepõe, inclusive, a fé. O amor, segundo o livro profético, não folga com a justiça, mas abre uma excessão para a verdade, isto é, o amor pode folgar frente a verdade.


Freud (1920/2011, p. 42) inicia o tema da libido, que fixa o líder e a massa, exaltando que "as relações de amor constituem também a essência da alma coletiva". A psicanálise se perguntou porque o amor está acima da fé, e para quem este amor está direcionado: à Deus, seria a resposta a curto prazo. No entanto, os séculos dizem que a figura divina não se bastou em si, e precisou do intermédio de profetas, e posteriormente da igreja, resultado da inescapável institucionalização das coisas. O processo civilizatório caminhou demandando cada vez mais líderes que encarnaram, por um lado, a competência de Deus e, por outro, sua insuficiência. É através da insuficiência do líder, e não de sua dinvidade, que igrejas proliferam como Jacinto-de-Água dentro de uma mesma religião.


A susgestão foi outro ponto que Freud tomou para a psicanálise, e ela parece ter o amor como pano de fundo para o título em epígrafe. É através da sugestão suplantada no amor, afinal, que se consegue vender 2 milhões de ingressos antecipadamente. É Freud (1920/2011, p. 45) quem diz que "o indivíduo abandona sua peculiaridade na massa e permite que os outros o sugestionem, porque existe nele uma necessidade de estar de acordo e não em oposição, talvez, por amor a eles". A abdicação de bens é vista, desde o período arcaico a.C., com proximidade ao estado apropriado da transcendência. No entanto, as posses da civilização antiga não eram produtos inanimados e, por isso, animais, pessoas e sexo canalizavam toda a privação. Nirvana e beatitude têm, atualmente, ligação direta com o produto da falta: o dinheiro, os bens inanimados. Essa é a atual moeda de troca, que não tem valor de privação sentimental, ligando, portanto, a abdicação ao patrimônio.


Hoje, contrariando o pensamento de Marcos de que é mais fácil um camelo passar pela agulha do que um rico entrar no reino dos céus, a religião é o ópio do povo porque está na mão da classe dominante, e não da superior em quantidade. Como não ver que Deus é o resultado da luta de classes, quando um líder religioso lucra milhões em nome de Deus, se pautando na razão institucional, e inteiramente racional, de que o fracasso de seu produto é um reflexo do fracasso de todos os seus seguidores? Esse tipo de discurso interessa, unicamente, à quem consegue ser patrocinado por seus seguidores, com base em um estado compensatório e, sobretudo, ideológico, decretado por Deus.


A religião passa a um status ideológico quando, em nome de sua propagação e sustentação, leva seus seguidores às salas de cinema sem o crivo de uma qualidade, isto é, creditando o produto com base no amor ao seu líder.


O Escritor

Psicólogo pela Universidade Veiga de Almeida, estudante de psicanálise e escritor.

Outros textos
Redes Sociais
  • Facebook Basic Black
  • Twitter Basic Black
  • YouTube Basic Black
bottom of page