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A Seriedade do Lúdico na Clínica com Crianças


A chegada de uma criança na clínica psicanalítica é, em grande parte, provocada pelos episódios em que o adulto se interroga em sua função de cuidador. Os pais recorrem ao discurso do mestre, isto é, aos profissionais que podem dar uma resposta racionalizada acerca do sintoma dos filhos, a fim de localizar o erro e obter um novo manual para substituir as regras errantes. É unida a esta lógica que a sociedade testemunha o furor das neurociências, campo que responde tal demanda subtraindo o sujeito e valorizando seu cérebro. Já em casos em que a aprendizagem claudica, a psicopedagogia é acionada, e novamente o sujeito corre o risco de ser excluído em prol da instrução educacional.

A psicanálise, por sua vez, converte esta relação entre o indivíduo e o conhecimento para apontar a relação entre o sujeito e o saber, o suposto saber atribuído à figura do analista; o saber que, quando possibilita o desejo, permite enormes mudanças no sujeito. Mesmo em análise, a demanda por um manual que extinga o sintoma continua, mas a resposta que o sujeito encontrará de seu analista é uma cifra, uma cifra que culmina no ‘haver-se com seu sintoma’ e, assim, não fazer dele um embaraço em sua vida. Diferente de outras psicoterapias, o paciente em análise – e não o candidato à análise – não se ocupará com o objetivo da felicidade, mas com o objetivo do desejo, tanto aquele que lhe cause satisfação quanto insatisfação.

Na clínica com crianças, essa lógica permanece e o lúdico nada interfere no processo.

Sendo assim, a seriedade que o título deste texto faz referência diz respeito aos cuidadores que, ao questionarem a própria eficiência na responsabilização dos filhos, confundem lúdico com brincadeira, e demandam que o analista não “brinque” demais nas sessões com a criança. De um lado, pais que associam lúdico à ausência de responsabilidade e, de outro, um analista que precisa desta ferramenta para iniciar o processo analítico.

Dos diversos pais que pediram, destaco a paciente A., que na primeira entrevista negou iniciar a sessão sem a presença da mãe. O analista, então, resolve convidar ambas para o consultório, e faz perguntas simples e cotidianas para deixa-la à vontade. O silêncio da criança perante as perguntas incomoda a mãe, que insiste em uma resposta e toma a palavra para si, respondendo por A.. Após algumas tentativas falhas e visivelmente desconfortáveis, o analista inicia um ato: levanta-se e abre o armário de jogos. Solicita que A. ajude na arrumação, e prontamente a candidata a análise se dispõe. Em silêncio, iniciamos a montagem do tapete emborrachado e, ao fim, o analista solicita a saída da mãe. Com uma expressão de incredulidade e preocupação, ela dirige a pergunta que qualquer resposta causaria estranheza. – A mamãe pode ir, então? Seguido de um silêncio que é interrompido pelo analista, dizendo que sim.

O advento do acaso permitiu àquela mãe presenciar a seriedade do lúdico logo na primeira sessão de sua filha. Diferente de uma brincadeira cuja finalidade se basta no jogo, o lúdico na clínica com crianças é considerado uma via de acesso ao inconsciente que, então, permitirá análise. Acatar a demanda do Outro materno e anular o desejo do sujeito criaria um obstáculo dificilmente reversível. O analista acompanha e preserva o processo, do qual a real demanda infantil seria que a deixasse fazer sua neurose tranquilamente.

O Escritor

Psicólogo pela Universidade Veiga de Almeida, estudante de psicanálise e escritor.

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